O pontificado do Papa Bento XVI ficará marcado, sobretudo, pela luta contra o que chamou de "ditadura do relativismo". O grande fio condutor de seu magistério foi a busca pela unidade entre a fé e a razão. Duas palavras quase que antagônicas em um mundo cada vez mais hostil à religião. Numa época dominada pelo ceticismo e pelo secularismo, falar de Deus e de sua vontade não é uma tarefa fácil, mesmo para um teólogo da envergadura de Joseph Ratzinger. O que torna o legado do papa alemão ainda mais vigoroso, dada à qualidade e originalidade dos seus pronunciamentos. Se por um lado, os percalços encontrados durante esses oito anos tenham retardado, em certo sentido, o projeto de Bento XVI, por outro, o novo pontífice contará com um imenso patrimônio deixado por seu predecessor. Uma arma valiosa na luta contra a mundanização do cristianismo.
O início do novo pontificado já promete algumas tribulações. Mesmo antes do Conclave começar, a cúria romana precisou lidar com as pressões vindas da mídia, principalmente para que se eleja um cardeal alinhado aos seus "padrões". A situação rendeu uma intervenção do Cardeal Camerlengo Tarcísio Bertone, que acusou os meios de comunicação de tentar manipular a opinião pública, "muitas vezes com base em avaliações que não colhem o aspecto tipicamente espiritual do momento que a Igreja está vivendo". Por outro lado, dentro do colégio cardinalício também há questões pendentes. O relatório do caso Vatileaks, um dos episódios mais conturbados da era Ratzinger, pode pesar na decisão dos cardeais, embora o Papa Emérito tenha decidido manter os documentos em sigilo até a posse do novo pontífice.
As Congregações Gerais que precedem o Conclave começaram hoje, 04/03. Neste período, os cardeais poderão, além de meditar e rezar pelo futuro da Igreja e pelo próximo papa, conversar entre si a respeito das diversas situações delicadas vividas nos últimos anos: A reforma litúrgica, a relação com a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, os escândalos de pedofilia, a desobediência do clero e o diálogo com as demais religiões. Questões que não tiveram um desfecho durante o pontificado de Bento XVI, apesar dos inúmeros avanços. Pesa sobre o novo pontífice o dever de enfrentá-las.
Todavia, os casos citados acima não são os únicos problemas que o Santo Padre terá de resolver. O obscurecimento da razão humana é, provavelmente, a maior chaga da sociedade moderna. A perda do sentido da vida, a relativização do matrimônio entre um homem e uma mulher, o avanço das seitas sobre a religiosidade do povo, a perseguição aos cristãos nos países orientais e as leis contrárias à moral católica das nações ocidentais devem causar grandes preocupações. Certamente, a situação não é das melhores. Diante dos ouvidos moucos dos governantes e de uma sociedade pós-cristã, a Igreja parece ser a única a apelar para o juízo e para a natureza do ser humano.
Por fim, não se pode perder de vista também que a Igreja é a Igreja do martírio. Neste sentido, vale lembrar uma pequena reflexão do cardeal americano, Dom Francis Eugene George - Arcebispo de Chicago - feita para os padres de sua Arquidiocese sobre o futuro da Igreja: "Eu espero morrer na cama, meu sucessor morrerá na prisão e o seu, num martírio em praça pública. E o seu sucessor juntará os cacos de uma sociedade arruinada e lentamente ajudará a reconstruí-la, como inúmeras vezes fez a Igreja na história humana". Esse será o trabalho dos próximos papas: reconstruir a civilização.
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