"Para esclarecimento desta doutrina, deve-se
considerar que a providência divina não somente determina os efeitos, mas
também de quais causas, e em que ordem são causados. Entre as múltiplas causas,
há também as que são atos humanos. Donde ser necessário, não que os homens
façam alguma coisa para, pelos seus atos, mudarem o que foi disposto pela
providência divina, mas que, pelos seus atos, realizem alguns efeitos, segundo
a ordem disposta por Deus. Isto acontece também nas causas naturais e algo
semelhante na oração.
Não oramos para mudar o que foi disposto pela graça
divina, mas para que façamos o que Deus dispôs para ser realizado devido à
oração dos santos. Por isso, escreve Gregório: "Pedindo, os homens mereçam
receber aquilo que Deus onipotente determinou conceder-lhes desde a eternidade.
(...),
portanto, deve-se dizer que não é necessário apresentar as preces a Deus para
torná-Lo ciente dos nossos desejos ou indigências, mas para que nós mesmos
consideremos que, nesses casos, se deve recorrer ao auxílio divino.
(...),
deve-se dizer, como foi dito acima que a nossa oração não objetiva mudar aquilo
que foi disposto por Deus, mas conseguir d´Ele, pelas orações, o que Ele
dispôs.
(...),
deve-se dizer que muitas coisas Deus concede por liberdade mesmo que não
pedidas. Mas quando nos concede o que Lhe pedimos, o faz para nossa utilidade,
a saber, para que consigamos a confiança para recorrer a Deus e tenhamos o
reconhecimento de que Ele é o autor dos nossos bens. A respeito, escreve
Crisóstomo: 'Considera quanta felicidade te foi concedida; quanta glória te foi
atribuída; pelas orações, dialogar com Deus, conversar com Cristo, aspirar ao
que querer e pedir o que desejas.'"
Assim, não procede a mentalidade deísta de que
Deus criou o mundo e nele não intervém, portanto, rezar é inútil. O
determinismo deísta não é cristão. Os cristãos sabem que é necessário rezar, é
preciso suplicar a Deus, porém, isso levanta um outro problema: se a oração, a
súplica é necessária e ela muda o agir de Deus, Ele é um Deus mutável, um Deus
que instável em seus desígnios? A resposta é dada também pelo Doutor Angélico,
conforme visto acima: a oração do homem faz parte do modo de a Providência divina
operar.
O
Catecismo da Igreja Católica ensina na mesma linha quando diz que "a
oração cristã é cooperação com sua Providência, com seu plano de amor para com
os homens". (2738) Portanto, Deus não determina, na sua Providência,
somente o efeito final, mas também as causas através das quais Ele irá
realizar, Ele determina também o caminho pelo qual o Seu desejo irá acontecer.
Deus
é a fonte de todo o amor, mas Ele não quer ser o único que ama, Ele quer amar
também com as suas criaturas. Quando Jesus conta a parábola da viúva, São Lucas
esclarece logo no início que o que Ele queria era "mostrar-lhes a
necessidade de rezar sempre, sem nunca desistir." (Lc 18, 1) Esta é a
lição a ser aprendida dessa parábola.
Uma
outra pergunta poderia ser feita então: e se eu não rezasse, a vontade de Deus
não aconteceria? A resposta se encontra no Livro de Ester quando Mardoqueu diz
a ela que fora ali colocada providencialmente para salvar o povo, mas que nem
por isso era 'necessária', pois mesmo se ela se calasse, Deus faria vir a
salvação e a libertação do povo de outro lugar (conf. 4, 14).
Existe,
portanto, uma grande dificuldade em sintonizar a Providência de Deus (bondosa,
sábia e imutável) e a liberdade humana, pois são duas realidades aparentemente
antagônicas: o homem é tão livre que pode dizer não a Deus; Deus há de realizar
o seu projeto para cada indivíduo. Trata-se de uma dificuldade teólogica,
porém, é sabido que na vida de oração o homem coopera com a Providência divina.
Atualmente,
muitos teólogos têm negado a Providência divina, alegando que ela nada mais é
do que uma "visão platônica" do Cristianismo. Tal posicionamento é
inaceitável. O Concilio Vaticano I, na Constituição Dei Filius, diz que:
"Ora, tudo o que criou, Deus o conserva e
governa com sua providência, 'alcançando com força de uma extremidade a outra e
dispondo com suavidade todas as coisas'. Pois, 'tudo está nu e descoberto aos
seus olhos', mesmo que há de acontecer por livre ação das criaturas." (DH
3003)
A
Resposta Católica, portanto, é esta: Deus, por sua providência, fará prevalecer
a sua vontade, mas Ele providencia também as orações dos homens.
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